Olinda Beja
Olinda nace en Guadalupe (Santo Tomé y Príncipe) en 1946.
Siendo muy niña deja las islas y llega a Portugal a las tierras frías "da Beira Alta".
Un día decide volver le llama el sonido del ossobó, los ríos caudalosos, las aves exóticas. Derrama entonces su ausencia en palabras sentidas llenando libros donde va mitigando una sed antigua.
Y ya del otro lado, también añora el Portugal que la vio crecer.
Publicó: Bô Tendê? (poemas), 15 dias de regresso (novela), Pé-de-perfume (cuentos).
RECUERDOS PARA AVEIRO
En esa longitud del llanto
donde el sol amarillea la piel de los hombres
donde la sonrisa adquiere contornos de distancia
en el azul reverdecido de las palmeras
donde el silencio es llama al final del día
y el mar
se vuelca en los cuadernos de los niños
donde vislumbro desde la ventana de mi finca
el aspecto de las gaviotas que vuelan en tus marismas
y huelen a sal
y a mar
a navíos que parten y que llega
aquí, en la casa terrosa, rectilínea,
oigo el graznar de los borrelhos, de los patos bravos,
el gorjear de las golondrinas
que nunca regresan a mi sur
aquí alzo la copa donde exhumo la primavera
holgazaneo en la inmensidad de la luna plateada
y permanezco
permanezco sentada
a la espera de que la Ría venga a buscarme...
Âncoras
Âncoras de esperança. Prelúdio de árias inacabadas
cantilena de mãe nos braços das úluas
tambor no terreiro de San Kánina
meu avô lusitano. Caravelas de mãos sangrando
nos quatro cantos do mundo
meu avô africano. Meu sangue mestiço
angariando esmola
meu batuque... minha viola
Paisagem
Ternura que arrasa minha alma magoada
minha mãe lavando no rio cantando
despreocupada
Bibi minha tia que me viu nascer
fala-me em crioulo e ensina-me a ler
ensina-me os sons ensina-me as flores
ensina-me a vida ensina-me as cores:
blanco fê nê nê
zulu tê tê tê
vlêmê bá bá bá
plêtu lu lu lu
ternura que arrasa minha alma magoada
minha mãe dormindo na esteira sorrindo
despreocupada...
Dádiva
Trago-te aromas de água
frutos gentes pele escura
gotículas de seiva vidas capinadas
oquês barrentos emprenhados
de pau-canela e cajamanga
trago-te aromas de corpo-alma
rituais de puíta e Danço-Congo
insónias tropicais
melodias de portos inéditos
palavras de gengibre repartido
por bocas onde escorre
abacaxi selvagem
trago-te trilhos de matos ainda
não descobertos
especiarias ondas de poemas
trago-te o que a minha ilha oferece
Eis-me aqui
Estou aqui
a contar-te dos caminhos que percorro
velhos estreitos esventrados
caminhos de sulcos e de cabras onde
nossos avós colheram pão de côdea dura
estou aqui
a contar-te dos cheiros doces e acres
dos frutos tropicais
cheiros que se foram confundindo no sangue
que se afundou em docas e mares mas emergiu
mais vermelho que o chão da nossa terra
estou aqui inteira viva irrequieta como pássaro
que acasala no equilíbrio de um ramo
e como tu quero ferir meus pés
no lençol de pedras que atapeta o ôbô
inundar de algas azuis o corpo reflectido
no espelho das calemas
estou aqui para escutar o vento no zinco dos casebres
e exorcisar os medos que vagueiam na linguagem do povo
estou aqui como tu
borboleta tricolor que pousa no eco das muralhas
e morre a ouvir histórias de um país calcinado.
Santomensidão
O poema está no ritmo
do nosso sangue cruzado. Na idade
da nossa santomensidão...
cheiros de terra quente
palmares de avó Sipinge
distância em distância entre
o leste e o oeste
o norte e o sul
o poema
é a única rota que deixa sulcos no cais
imensurável dos nossos atropelos
Balada
África vivia do mar e da terra
sem medo e sem guerra e sem tirania
seus cabelos crepos ao vento oferecia
livre forte bela
nos rios lavava nos rios cantava...
e África corria pelo oceano
corria e dançava com frutos maduros
colhidos dos ramos que por ela havia
e em África crescia como espigas de oiro
a nossa origem
mas quis o destino que com lágrimas choradas
se fizesse a nossa História
nos rostos decepados de risos e de abraços
contornámos o tempo
contornámos a História
calcorreámos a Europa
e mais longe até.. América do Sul ... América do Norte
mas foi o mar só o mar
que engoliu o nosso grito imenso: KIDALÊ...Ô!!!!
Solidão
Na minha terra há um rio
que nunca vai ter ao mar
trago-o eu dentro do peito
e o meu corpo é o seu leito
onde ele se pode espraiar
na minha terra há um pranto
de uma mãe que o não secou
escorre nas minhas veias
como o mar por entre as areias
que o oceano afundou
na minha terra há um porto
com barcos por atracar
as amarras trago-as eu
no destino que me deu
outro porto p'ra embarcar
na minha terra há um mundo
diferente deste onde estou
mas não o trago comigo
ficou para meu castigo
no canto do ôssobô...
Ilha
Tenho uma ilha por dentro de mim
cheia de corais e praias sem fim
que chora e repete na longa distância
os dias e as horas que me deu na infância
tenho as canoas correndo na alma
e bebo em orgias vinho de palma
na roça à noite varrendo o terreiro
eu falo e discuto com piadô feiticeiro
santo é o seu nome e santa é a gente
que as ilhas povoam bendito o seu ventre
tenho uma ilha por dentro de mim
cheia de floresta de mato capim
que chora e repete no porto de abrigo
os dias e as horas que eu trouxe comigo
Aromas de Cajamanga
Org. e prólogo de Floriano Martins.
São Paulo: Escrituras, 2009. 174 p. (Coleção Ponte Velha)
QUEM SOMOS?
O mar chama por nós, somos ilhéus!
Trazemos nas mãos sal e espuma
cantamos nas canoas
dançamos na bruma
somos pescadores-marinheiros
de marés vivas onde se escondeu
a nossa alma ignota
o nosso povo ilhéu
a nossa ilha balouça ao sabor das vagas
e traz a espraiar-se no areal da História
a voz do gandu
na nossa memória...
Somos a mestiçagem de um deus que quis mostrar
ao universo a nossa cor tisnada
resistimos à voragem do tempo
aos apelos do nada
continuaremos a plantar café cacau
e a comer por gosto fruta-pão
filhos do sol e do mato
arrancados à dor da escravidão
POR TI
Por ti espero naquela roça grande
no perfume do izaquente
no sopro do vento irrequieto
no riso da montanha misteriosa.
Por ti espero junto ao secador
que meu avô ajudou a construir
e o cheiro do cacau
invade o corpo
que acalenta a esperança
de rever-te.
Espero sentada
no caminho que vai até à Grota
e serpenteio
a estrada de Belém onde as fruteiras
espreitam o sol
e o vianteiro.
Por ti espero
na calma do poente
entre a ânsia
e o amor que me consome.
A tarde vai caindo e nostalgicamente
arrastando o meu dilúvio de ternura.
Por ti espero ainda
no breu da noite imensa
na raiva que a paixão derrama e sangra
e é o tam-tam da madrugada que me obriga
a apagar da memória
a tua imagem
RAÍZES
Há rumores de mil cores enfeitando o espaço
de gorjeios infantis
transportando aquele abraço de anãs juvenis
árias que perduram na mensagem
da nossa voz e da nossa imagem.
São rumores de tambores
repercutindo a esperança de olhares inquietos
toada de lembranças
liturgia de afectos.
São rumores maternais
presos à terra que nos diz
que só o maior dos vendavais
arranca da árvore a raiz.
NEGBA
Passas dengosa
perfumosa
exibindo olhares lascivos
às multidões do sexo.
Balouças
a flor de lótus
que escondes no teu corpo
por entre a garridez
de tecidos virginais
e vais
deixando pólen
gostoso
africanoso
em detalhes colíricos
de afectuosas manhãs
ÉBANO
Noite sem lua no deserto que comprime
a exatidão das coisas
paradoxo ambíguo de solidão estática do astro
inigualável
noite de breu no areal sem fim
do eterno além-fronteira
onde o nada vive acorrentado à esfinge
da nossa escuridão
flutuam estrelas mas a lua
não vem na mesma rota
das quimeras
escondeu o rosto na lagoa
onde perpétuo repousa
o despertar inviolável
da nossa cor de ébano
GERMINAL
Ó minha ilha queimada pelo sol
pelas lágrimas do vento que escorreram
das escarpas e das vidas de teus filhos
em ti repousam as cinzas das esperanças
que outrora viveram no leito de teus rios
Malanza, Manuel Jorge, Contador, Cauê...
Em ti germinam vidas repassadas
de lua e sol no cais do sofrimento
que as âncoras da vida vão soltando!
Ó minha ilha adocicada pela chuva
lacrimejante e pura batendo na sanzala
de todos os ilhéus sequiosos de amanhãs.